Como a realidade virtual está mudando a neuroreabilitação?

*Por Edgard Morya, neurocientista e pesquisador no Instituto Santos Dumont
A experiência propiciada pela realidade virtual tem um grande potencial para mudar nossas vidas como se fosse parte de um filme de ficção científica. O desenvolvimento exponencial da tecnologia está possibilitando equipamentos mais acessíveis e de melhor qualidade em diversas aplicações, de jogos em primeira pessoa até ferramentas auxiliares na área da saúde, engenharia biomédica, biotecnologia, nanotecnologia e robótica. Isto é só o início da convergência de tecnologias digitais, físicas e biológicas que marcam a quarta revolução industrial.
Tente lembrar da seguinte experiência. O semáforo ficou vermelho, você pára seu carro e ao seu lado um ônibus faz o mesmo. Enquanto aguarda o sinal ficar verde, subitamente você tem uma vívida sensação que seu carro está se deslocando para trás. Você pisa mais fortemente no freio e percebe que estava parado, mas a sensação de estar indo para trás foi real (virtual) e forte o suficiente para te deixar confuso por uma fração de segundo.
Qual a explicação para essa sensação? Quando você anda para frente as imagens aproximam, e quando você anda para trás as imagens afastam. Quando o ônibus ao seu lado vai para frente, a imagem do ônibus afasta, e você tem a mesma sensação de estar movendo para trás. Essa sensação é provocada pelo sistema visual, ou seja, a partir de sua visão. Por outro lado, seu sistema vestibular, que controla seu equilíbrio, informa que você não se moveu. As informações desses dois sistemas resultam em um conflito sensorial momentâneo.
Sabendo que o estímulo visual pode modificar a percepção de outros sentidos, os óculos de realidade virtual de imersão despontaram como uma tecnologia extraordinária de inovação na sociedade. Um óculos de realidade virtual de imersão apresenta imagens levemente diferentes em cada olho. O cérebro funde as imagens, e você percebe a cena em três dimensões (altura, largura e profundidade).

Fonte: ISD. Exemplo de imagens projetadas no olho esquerdo e direito. Repare que as imagens têm o ponto de observação deslocado devido a distância entre as pupilas. Olhando através da imagem acima, como se estivesse olhando para o infinito, tente sobrepor e fundir as imagens em uma só, você vai perceber a cena em três dimensões.

Os óculos de realidade virtual de imersão evoluíram de simples monitores passivos para sistemas de interatividade com rastreamento de posição e movientação. No ambiente de imersão você pode vivenciar virtualmente qualquer cena, tendo como limite apenas a criatividade dos desenvolvedores. O sistema de rastreamento permite olhar para qualquer parte do ambiente virtual. Sensores de posição do óculos atualizam em tempo real as imagens para os olhos. Isto significa que se você olhar para baixo ou para cima, as imagens nos monitores serão atualizadas em tempo real e você verá o chão ou o teto do ambiente virtual. Ao sincronizar os movimentos reais de sua cabeça com as imagens virtuais, a sensação de imersão é potencializada, e o usuário tem uma forte percepção de imersão no ambiente.
Com a imersão no ambiente virtual, faltava a percepção da presença do corpo. A inclusão de um avatar de corpo inteiro permite que você veja o tórax e as pernas do avatar exatamente na mesma posição do seu corpo real. Relembrando a vívida sensação descrita anteriormente quando o ônibus avança, ao vizualizar a perna do avatar dando um passo, você tem a sensação que a sua perna real também deu um passo. Essa possibilidade de utilizar imagens virtuais para evocar sensações reais despontaram recentemente como uma nova ferramenta de treinamento em neuroreabilitação.
Em um estudo surpreendente dois macacos foram treinados a controlar uma braço virtual de um avatar para tocar alvos visualmente iguais, mas com texturas diferentes. Se os objetos virtuais eram visualmente iguais, como os macacos poderiam discriminar os objetos virtuais? Os pesquisadores implantaram microeletrodos no cérebro para detectar os comandos para mover o braço do macaco e transformaram em comandos para controlar um braço virtual (interface cérebro-máquina), e também implantaram microeletrodos para estimular o cérebro. Essas estimulações diretamente no córtex cerebral provocavam sensações quando o braço virtual tocava os objetos virtuais, permitindo explorar a textura virtual. Uma demonstração do potencial da interface cérebro-máquina não apenas para controlar uma neuroprótese, mas também para sentir o ambiente (real ou virtual).

Fonte: O´Doherty e cols. Nature Letter, 2011. doi:10.1038/nature10489

Essa possibilidade de estimular o cérebro para produzir sensações abriu perspectivas para uma nova forma de interação social e com o ambiente. Isto significa que uma informação (real ou virtual) pode ser transmitida digitalmente e sentida a distância. Em um estudo realizado com ratos, os pesquisadores implantaram microeletrodos de registro em um rato que fazia um teste de discriminação tátil no Rio Grande do Norte (IINN-ELS). Há alguns milhares de quilômetros de distância, na Carolina do Norte (Duke University), um outro rato tinha microeletrodos de estimulação implantados no cérebro.
As atividades do cérebro do rato no Brasil foram transmitidas diretamente para o rato nos Estados Unidos que por sua vez “sentia” a estimulação virtual e realizava uma tarefa (interface cérebro-cérebro). Transmitir informações diretamente de um cérebro para outro deixou de ser ficção científica. Essa demonstração é apenas um passo do que está por vir, em um futuro próximo novas tecnologias permitirão armazenar e transmitir informações cerebrais para combater a perda de neurônios e memória, experimentar sensações inéditas e conhecer lugares e pessoas sem se deslocar.

Em seres humanos, a realidade virtual alcançou uma nova aplicação com a interface cérebro-máquina controlando um avatar. De forma pioneira, uma interface cérebro-máquina foi utilizada para extrair comandos motores do cérebro de pessoas com lesão medular para controlar voluntariamente os passos de um avatar. Em um treinameto de reabilitação convencional, normalmente uma pessoa se esforça para imaginar que está movendo as pernas. Com uma interface cérebro-máquina e um óculos de realidade virtual, é o cérebro que envia um comando para mover as pernas do avatar, e a pessoa vê e sente vividamente (como no exemplo no início da sensação de movimento em um carro parado) o próprio movimento, promovendo uma nova forma de neuroreabilitação. Esta convergência de tecnologias para neuroreabilitação ainda está apenas começando e beneficiará a sociedade com novas formas de reabilitação, menos tempo gasto em deslocamentos, impacto no sistema de saúde e na qualidade de vida.

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