O Social Good Brasil esteve presente no Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) para conversar sobre um programa (muito!) data for good, que usa a inteligência de dados para gerar impacto positivo.
O “Acelera” é o Programa de Acompanhamento e Logística para o Eficiente e Rápido Acolhimento baseado em ferramenta de Business Intelligence (BI) que capta todos os dados relativos à tramitação das ações de perda ou suspensão do poder familiar e das medidas de proteção que dizem respeito a crianças e adolescentes acolhidos, isto é, que estão sob tutela do Estado e não estão nas suas próprias casas e com as suas famílias.
Falando menos “juridiquês”: por meio desta plataforma se torna possível o acompanhamento em tempo real de todas as ações que tramitam no Estado de Santa Catarina que possuem crianças ou adolescentes acolhidos, bem como a identificação das fases do processo que apresentam um atraso em sua tramitação.
A beleza deste projeto data for good é que: (i) é feita pelo poder público, que tem uma abrangência gigantesca e o poder de afetar muitas pessoas; no caso, a população de Santa Catarina. (ii) o foco do programa foi justamente nas pessoas mais vulneráveis, as crianças e adolescentes que estão por algum motivo com processos na justiça, podendo diminuir o tempo de acolhimento em instituições do Estado e acelerar o retorno ao convívio familiar.
De qualquer maneira, as situações são delicadas e merecem atenção em todos os casos e o programa Acelera ajuda com que o tempo de duração do processo não ultrapasse o prazo ideal, garantindo que cada etapa esteja dentro do prazo que a lei já prevê. Por exemplo: se o juiz precisa despachar o projeto em x dias, mas demorou 2x, o programa indica o atraso naquela fase do processo, podendo ser identificada a causa do retardo no trâmite do processo.
Fomos conversar com uma equipe do Núcleo V da Corregedoria-Geral de Justiça: o Juiz-Corregedor Rodrigo Tavares Martins, que comanda o grupo, sua assessora Jessica Heloisa Cardoso e o assessor de T.I. Ricardo Tadeu Boscollo, que cederam essa entrevista para nós via e-mail.
Olha só!
- O que é o programa Acelera?
O Acelera é um programa de acompanhamento dos processos de perda ou suspensão do poder familiar e das medidas de proteção com criança ou adolescente acolhido, que tem como principal objetivo possibilitar o acompanhamento dos prazos de todas as etapas do rito processual, sinalizando os processos que ultrapassaram o período ideal, possibilitando, assim, que o processo seja julgado dentro do prazo legal de 120 dias.
O projeto (software) foi desenvolvido utilizando a tecnologia de Business Intelligence (Power BI) e necessitou de apenas 15 dias para obtenção dos primeiros dados e resultados. Foi desenvolvida uma rotina (ETL) para captura das informações, que ocorre uma vez por dia e os painéis são automaticamente atualizados. A opção foi por uma única atualização diária, porém a ferramenta permite que se tenha dados em tempo real.
- O que levou à criação do programa Acelera?
O programa foi uma solução encontrada pelo juiz-corregedor Rodrigo Tavares Martins para conceber a máxima celeridade aos processos de perda ou suspensão do poder familiar com criança ou adolescente acolhido.
As motivações para a concepção do Acelera são a experiência pessoal da permanência excessiva do seu filho numa instituição de acolhimento; bem como a busca por um controle de qualidade e otimização dos fluxos de cada etapa do rito processual.
[O que estava acontecendo]: o contexto fático durante o desenvolvimento do projeto apontavam que o tempo de julgamento dos referidos processos eram muito superior ao esperado, acarretando em um longo período de acolhimento da criança e/ou do adolescente, da mesma forma que a Corregedoria não possuía programa que garantisse o controle em tempo real e de forma progressiva de referidos processos.
[O objetivo]: com isso, o objetivo maior do programa seria garantir a tramitação dos processos de perda e suspensão do poder familiar com criança ou adolescente acolhido no prazo máximo de 120 dias — prestando todo o auxílio às comarcas, caso necessário.
Como consequência do menor tempo de tramitação desses processos e de acolhimento da criança ou adolescente, seria perceptível a ocorrência de menos danos psicológicos às crianças e aos adolescentes que se encontram acolhidos aguardando a conclusão dos processos de perda ou suspensão do poder familiar ou medida de proteção.
Uma das dificuldades enfrentadas para implantação do programa é a visão equivocada de que a Corregedoria está controlando e fiscalizando a atuação de primeiro grau e não apoiando de forma a auxiliar as unidades a cumprirem os prazos desejáveis. Contudo, o objetivo do programa consiste, também, em atos de apoio às comarcas, com o intuito de auxiliar no cumprimento dos prazos desejáveis. A esse propósito, citam-se os casos em que a Corregedoria intercede junto aos órgãos responsáveis pela elaboração do laudo do exame de DNA, solicitando urgência para a sua conclusão, assim como perante juízos de outros Estados, nos casos de carta precatória.
- Que mudanças e impactos positivos o programa Acelera já causou?
O programa está sendo utilizado desde junho de 2019 e, de imediato, pode-se constatar que nesse curto período os prazos para a prolação de sentença caíram para menos da metade do que antes existia. Já foram recebidos diversos comentários positivos por parte de magistrados engajados na área da infância e da juventude, os quais aderiram a ideia da Corregedoria-Geral da Justiça no sentido de garantir uma tramitação célere de referidos processos, que visa sempre ao bem-estar das crianças e adolescentes acolhidos e a garantir o direito a um julgamento justo e célere de forma a assegurar o retorno ao convívio em um ambiente familiar, seja na família biológica ou na adotiva.
- De que maneira essa plataforma pode ser implementada em outras áreas do Poder Judiciário e do poder público de maneira geral?
O programa e a tecnologia implementada podem ser implantados para qualquer rito processual, permitindo o controle e monitoramento em tempo real das fases do processo de acordo com os prazos estipulados. Isso garantiria assertividade e celeridade na prestação jurisdicional.
Para a Corregedoria-Geral da Justiça, a ferramenta abriu a possibilidade de se acompanhar processos mais críticos e que necessitam de maior apoio ou fiscalização. Numa esfera geral, pode-se usar a mesma abordagem para controlar qualquer fluxo de trabalho dentro dos processos em tramitação no Poder Judiciário, bastando que se fixem os marcos processuais a serem controlados.
- Como veem a inovação, implementação de inteligência de dados e de habilidades analíticas no poder público? Como enxergam esse impacto?
Sem dúvida nenhuma, projetos de tecnologia e inovação e a utilização de ferramentas de inteligência de dados permitem que os problemas reais sejam analisados com diversas informações e em prazos rápidos. Ganha-se a possibilidade de identificar gargalos dentro da tramitação de processos judiciais, com mais elementos de informação visando o fornecimento de uma prestação jurisdicional mais célere.
- É possível inovar no setor público, então? Como funciona com relação à burocracia e mudanças de gestão?
Com certeza, o setor público tem muito espaço para a inovação, já que em muitas ocasiões a estrutura burocrática acaba repelindo as inovações tecnológicas ou novas formas modernas de gestão. Por isso, torna-se fundamental estar aberto às boas experiências e práticas, sobretudo os cases de sucesso do mundo empresarial, assim como apostar no conhecimento e em novas tecnologias, com o objetivo de aperfeiçoar e modernizar as instituições públicas conforme as demandas que surgem em um mundo cada vez mais interconectado.
- Há alguma outra iniciativa nesse sentido, do uso de plataformas ou programas com dados, no Judiciário? Exemplos?
No âmbito da Corregedoria-Geral da Justiça existe o Cadastro Único Informatizado de Adoção e Abrigo (CUIDA). É um sistema integrado entre Poder Judiciário, Ministério Público e Instituições de Acolhimento. Em referido sistema são alimentadas informações acerca de pretendentes à adoção, inscritos e habilitados em Santa Catarina, de entidades de abrigo e de crianças e adolescentes abrigados ou em condições de colocação em família substituta. Tem por objetivo agilizar os procedimentos relativos ao encaminhamento de crianças e adolescentes para adoção e racionalizar a sistemática de inscrição de pretendentes à adoção evitando a multiplicidade de pedidos.
Além disso, foi lançado no ano de 2018 o sistema Busca Ativa, que tem como objetivo ampliar o acesso a informações de crianças e adolescentes acolhidos, que se encontram aptos mas sem perspectiva de adoção, de forma a aumentar suas chances de encontrar uma família adotiva. O principal objetivo do sistema, portanto, é dar visibilidade às crianças e adolescentes com remotas chances de adoção. O Busca Ativa foi instituído através da base de dados do Cuida. Por intermédio de referido sistema os habilitados à adoção poderão acessar fotos e vídeos das crianças e dos adolescentes aptos a adoção e, caso queiram conhecê-las, poderão manifestar o interesse em conhecer maiores informações da criança ou adolescente escolhido, visando uma futura aproximação para a adoção.
Abaixo, uma imagem que ilustra uma das telas do programa Acelera:
Entrevista:
Carla Mereles
Entrevistados:
Juiz-Corregedor Rodrigo Tavares Martins
Jessica Heloisa Cardoso
Ricardo Tadeu Boscollo