Imagine-se diante do seguinte cenário hipotético: você acaba de assumir o cargo de Secretário(a) Municipal de Educação de Esperança, uma cidade fictícia de pequeno porte no interior do país. Após reunir sua equipe para entender a situação educacional do município, inicia sua gestão tentando definir as prioridades de curto, médio e longo prazo. Afinal, com os poucos recursos disponíveis é preciso escolher muito bem quais desafios tentar resolver.
No seu primeiro encontro com os diretores da Rede, um choque de realidade. Além das dificuldades comuns a boa parte das escolas públicas do país, você percebe que em Esperança existe pouca ou quase nenhuma transparência quanto aos dados educacionais. Sabe-se que falta merenda, mas não ao certo em quais escolas; a entrega dos livros escolares está atrasada, porém não se sabe quais escolas já os receberam. E mais: o sindicato dos professores ameaça paralisar as aulas caso os reajustes salariais prometidos na gestão anterior não se concretizem.
Você então sai da reunião com os diretores completamente absorto pelos depoimentos e lembra do que lhe disseram antes de assumir o cargo: tomar decisões em cenários de alta complexidade e incerteza exige um olhar atento para os dados. O problema é que, neste caso, eles não existem ou são quase inacessíveis pelos tomadores de decisão. Esse breve cenário hipotético nos ajuda a entender que para cada problema levantado pelos diretores(as) de escola, certos dados poderiam ser utilizados de forma a assistir melhores tomadas de decisão.
Contudo, o ponto crucial que gostaria de destacar é: sem a capacidade de empatizarmos, por exemplo, com as atribuições e rotinas de um(a) Secretário(a) de Educação, dificilmente conseguiríamos extrair dos dados tudo que eles nos têm a oferecer. E para auxiliar nesse trabalho de empatia com as situações da vida real, acredito que as narrativas possuem um poder enorme. Por exemplo, dificilmente você teria conseguido se sensibilizar com os desafios do cargo de um(a) Secretário(a) caso eu apresentasse apenas em números a situação do município.
Daí a importância da empatia para conseguirmos utilizar os dados na área da Educação, sejam eles em projetos para governos, empresas ou entidades não governamentais. Desde que migrei da sala de aula para a coordenação da área de dados do Impulsiona – Educação Esportiva, aprendi que um olhar empático pode nos ajudar a revelar insights mais valiosos do que a pura aplicação de técnicas estatísticas sofisticadas. Foi assim que conseguimos calibrar o olhar para a divulgação de certos conteúdos pedagógicos ou até mesmo na hora de recomendar os cursos a serem oferecidos para o nosso público-alvo formado por professores de Educação Física.
Nosso objetivo enquanto iniciativa é construir e validar uma metodologia de engajamento digital voltada para a formação de professores, nos tornando capaz de apoiá-los em suas jornadas pessoal e profissional. Para isso, é indispensável conhecê-los em toda sua profundidade. E não me refiro aqui apenas a aprender sobre a atuação do professor dentro do ambiente escolar, mas sobretudo de mapear e compreender em detalhes suas dificuldades, desejos, valores, hábitos, sonhos. E tudo isso só é possível se olharmos para os dados sob a ótica da empatia.
Lembro ainda que atualmente o universo de professores de Educação Básica no Brasil é formado por mais de 2,5 milhões de profissionais, sendo aproximadamente 180 mil professores de Educação Física, atual público-alvo do programa. Para qualquer pessoa apaixonada por educação e dados, ter como objeto de estudo um universo extremamente diverso, formado por milhões de pessoas, é no mínimo um convite para entender a diversidade nele presente.
Além disso, pouco mais de 8 meses depois de assumir a área de dados do programa, escolhi compartilhar seis lições aprendidas. São reflexões que complementam a necessidade de se ter um olhar empático sobre os dados, e podem ser especialmente úteis para outras pessoas e organizações que estão iniciando no uso de dados ou mesmo para aquelas em estágios de maturidade mais avançados no tratamento e uso da informação. São elas:
1. Defina sua Visão:
A elaboração de uma Teoria de Mudança durante a etapa de concepção do Impulsiona permitiu que desde muito cedo tivéssemos clareza sobre quais eram as mudanças pretendidas pelo programa. Dessa forma, pudemos definir quais eram os dados mais relevantes a serem coletados (e posteriormente tratados), para não correr o risco de perdermos tempo coletando informações não essenciais. Priorize coletar e monitorar os dados ligados mais diretamente ao impacto fim proposto pelo seu projeto e/ou organização.
2. Fomente uma Cultura Analítica:
A partir do momento que estiver claro para os membros do time quais devem ser os dados coletados e porque, identifique dentro da sua organização qual é o nível de compreensão e de capacidade técnica dos colaboradores. Fizemos no Impulsiona um trabalho de aos poucos democratizar o conhecimento e com isso facilitar o acesso à informação: não existe o “dono dos dados”, visto que todos devem ter capacidade de acessar e buscar as informações que precisam para tomar melhores decisões no dia-a-dia.
3. Soluções Simples vs Soluções Complexas:
É comum que a partir do momento em que você começa a ouvir que uma organização precisa se tornar data-driven você queira implementar várias ideias de uma só vez. Soluções “prontas” no mercado é o que não faltam. Ocorre que por vezes há um descasamento entre os produtos de dados demandados pelos gestores e as reais necessidades das áreas operacionais. Se você ainda não tem suas bases de dados essenciais organizadas, como construir um algoritmo super avançado de recomendação para os seus usuários? Respeite o tempo da organização e priorize as soluções que mais te ajudem a responder perguntas do seu negócio / projeto.
4. Construa Times Interdisciplinares:
As vantagens de se formar um time interdisciplinar são muitas. Como dito anteriormente, a capacidade de elaborar boas hipóteses e perguntas de pesquisa é o que fará a diferença na hora de usar os dados. Assim, quanto mais diverso for o seu time, maior a variedade de perguntas a serem feitas. Evite contratar apenas técnicos; e cuidado com o outro extremo, quando poucas pessoas dominam esse ferramental. O segredo é encontra o equilíbrio entre times que entendem do negócio, profissionais de visão gerencial e técnicos especialistas em dados (analistas, cientistas de dados, engenheiros).
5. Construa MVPs e Teste Soluções:
É comum escutarmos dentro das empresas que “errar faz parte”. Difícil mesmo é encontrar lugares onde os erros são realmente aceitos e incorporados como parte do processo de alcançar o sucesso. A importância de construir MVPs (versão rápidas e baratas de um produto) se dá pela necessidade de ir aperfeiçoando o produto na medida em que você interage com o público. No nosso caso, privilegiamos apresentar aos nossos professores uma versão mais simples de um produto, para que aos poucos, na medida em que são testados, possam ir sendo aprimorados. Evite ao máximo esperar pela “versão perfeita”: a chance de precisar refazê-la é enorme!
6. Visualização é QUASE tudo:
Por fim, de nada adianta implementar uma cultura que privilegia o uso de dados na tomada de decisão se as pessoas envolvidas não souberem comunicar seus achados para as demais áreas. Existem ótimas ferramentas no mercado (ex: PowerBI, Tableau) que ajudam a tornar os dados mais facilmente compreensíveis por todos os profissionais da empresa. Invista tempo e recursos para que todos da organização, sem exceção, tenham acesso a eles, seja através de um Dashboard, Relatórios Gerenciais ou até mesmo em planilhas organizadas em Excel.
O uso de dados em Educação tem o potencial de transformar e personalizar as experiências de aprendizagem, não só do aluno, como também dos professores e demais envolvidos. Mas para que isso aconteça é fundamental que a perspectiva da sua aplicação migre apenas da coleta para a sua efetiva utilização (de preferência em tempo real) nos mais variados contextos: da sala de aula às Secretarias de Educação; das startups ao Ministério da Educação (MEC). Acredito que em um futuro cada vez mais analítico a empatia continuará tendo sua função essencial preservada: de nos lembrar permanentemente que por trás de cada dado existe um ser humano disposto a aprender, a evoluir e se aperfeiçoar. Só assim conseguiremos migrar de uma Educação pautada no achismo para um modelo baseado em evidências.