O Senhor Gaston D´Aquino estava tranquilamente assistindo à missa em um Domingo de Páscoa, em Hong Kong, junto com sua esposa quando, de repente, o seu smartwatch começou a indicar uma atividade anormal no seu coração, que estava batendo bem acima da velocidade normal. Ele estranhou, porque do alto de seus 76 anos gozava de uma saúde razoável – e também porque não estava sentindo nada, nenhuma alteração.
Apesar de se sentir bem, o sr. Gaston resolveu sair da missa antes do fim e ir ao hospital mais próximo. Explicou o ocorrido ao médico que o atendeu. Disse que se sentia perfeitamente normal, mas que o smartwatch continuava indicando que algo estava errado.
Os médicos acessaram os dados do relógio, fizeram exames complementares e constataram que Gaston D´Áquino estava à beira de um ataque massivo de coração, que poderia, inclusive, levá-lo à morte. Foi salvo, quase literalmente, pelo alerta emitido pelo smartwatch.
Dados em todo lugar
A história de Gaston D’Aquino é um exemplo prático de um dos benefícios mais evidentes que a tecnologia, algoritmos e dados podem trazer para nossas vidas.
Ao levantar, analisar e monitorar os dados sobre nossos sistemas vitais, aparelhos como os smartwatches podem fazer a diferença entre vida e morte. O acúmulo destes dados pode gerar um entendimento profundo do estado da nossa saúde, das necessidades e riscos iminentes.
Quando conectados à rede de internet, estes dados são transmitidos a sistemas externos que podem, por exemplo, prover a equipes de emergência e médicos de plantão informações essenciais para que possam dar um melhor atendimento, no caso de uma emergência.
O fato concreto é que estamos imersos em um mundo de dados. Vivemos em um estado de conexão quase permanente.
Pesquisa recente da TIC Domicílios indica que 70% da população brasileira (126 milhões de pessoas) tem acesso à internet, com uma parcela significativa (56%) acessando exclusivamente via telefones celulares. E estes aparelhos, em geral, ficam ligados e conectados à rede o tempo todo. Isto significa que estamos produzindo dados (de localização, buscas, sites visitados, conversas feitos, arquivos trocados etc.) o tempo todo.
Outra pesquisa, desta vez da IDC-Seagate, de 2018, indica que em 2010 cada ser humano realizava cerca de 298 interações digitais, em média, por dia. Em 2020 já serão cerca de 1.426. Em 2025 serão, em média, 4.909 por dia. Isto significa que cada ser humano manterá um engajamento digital a cada 18 segundos, deixando-nos, na prática, permanentemente conectados.
E a maioria destas interações será completamente inconsciente, como quando somos observados e analisados por câmeras inteligentes. Ou seja, já somos, e seremos cada vez, produtores e consumidores de dados, na maior parte das vezes sem nem ter consciência disso.
O novo petróleo
Não é sem razão que se diz que os dados são o novo petróleo.
Esta é uma analogia interessante porque liga diretamente dois mundos e realidades temporais distintas. O mundo real, concreto, de uma commodity que começou a surgir pelo depósito de material orgânico ao longo de milhões de anos e sua lenta transformação no que veio a se transformar no alimento essencial da máquina que sustenta os tempos modernos.
Os dados, por sua vez, giram no mundo virtual, têm uma história muito recente, mas rapidamente se transformaram no alimento essencial dos sistemas que sustentam – e sustentarão – as economias, e a vida mesmo, daqui para a frente.
Esta analogia tem outro aspecto interessante. O petróleo representa um acúmulo potencial de energia, mas ele em si tem pouca utilidade prática até que seja devidamente transformado em algum dos seus muitos subprodutos, como a gasolina ou o diesel. São eles efetivamente que giram a roda da economia em todos seus aspectos.
Da mesma forma, os dados que nos rodeiam precisam ser transformados em informação útil para que cumpram totalmente o seu potencial. Como disse David Buckinham: “Os dados são o novo petróleo: precisamos encontrá-los, extraí-los, refiná-los, distribuí-los… e monetizá-los”.
É aí que mora o perigo.
O petróleo, lá trás, gerou riqueza, mas lançou o mundo na dependência dos combustíveis fósseis que hoje ameaçam a humanidade, com as mudanças climáticas. Os dados, por sua vez, podem ser fonte de injustiças, manipulação e controle político, econômico e social. Isto, associado à dificuldade de entendimento sobre como são obtidos e usados, acaba gerando uma desconfiança pública, que é alimentada por histórias como a da Cambridge Analytica.
A empresa usou dados obtidos de mais de 80 milhões de usuários do Facebook para montar um sofisticado processo de análise comportamental. Seus serviços teriam favorecido diretamente a vitória da campanha dos que defendiam a saída do Reino Unido da União Europeia (conhecido como Brexit) e a vitória de Donald Trump, nos Estados Unidos. Esta história é contada em mais detalhes no documentário Privacidade Hackeada (The Great Hack), disponível na Netflix.
Exemplos de Dados para o Bem
A percepção pública sobre os riscos potenciais que a manipulação de dados traz para a sociedade não deve se sobrepor, entretanto, aos benefícios reais e potenciais que os mesmos dados podem produzir.
Esta é a essência do Movimento Data for Good, liderado no Brasil pelo Social Good Brasil, em parceria com a Fundação Telefonica Vivo. A ideia é criar uma rede de conhecimento e de práticas ao redor do uso de dados para o bem comum.
Trago a seguir seis exemplos de como o uso de dados para o bem pode ter um impacto extraordinário, como o senhor Gaston D´Aquino, citado no começo deste artigo, pode comprovar:
1. Atenção humanitária na Austrália
Na Austrália, a Swinburne University of Technology juntou-se à Cruz Vermelha australiana para mapear, via dados das mídias sociais, os pontos de atenção humanitária no estado de Victoria, regularmente atingido por inundações. Os dados levantados em tempo real ajudam a equipes de socorro e organizações humanitárias distribuírem melhor sua atuação e o apoio dos voluntários.
2. Prevendo chuvas, salvando vidas
O Pluvi.on é um projeto 100% nacional. Uma ideia simples, de produzir um pluviômetro, aparelho que antecipa mudanças no clima, especialmente a chegada de chuvas, que fosse barato e prático de instalar e usar. O conceito, lançado em 2016, já se multiplicou em mais de 120 estações meteorológicas espalhas pelo Brasil e obteve reconhecimento inclusive da ONU. Os dados levantados plena Pluvi.on levam à geração de modelos preditivos e à emissão de alertas de ocorrência de eventos extremos que podem salvar vidas e salvaguardar infraestrutura.
3. Transplantando vidas
Desde 1987, a United Network for Organ Sharing (UNOS), o sistema que gerencia o transplante de órgãos nos Estados Unidos, mantém uma base de dados de todos os candidatos a transplante e todos que doaram órgãos no país. Este sistema funciona 24 horas e é atualizado constantemente. O resultado é um aprimoramento constante da eficiência no processo de transplante, de forma a levar a quase zero a taxa de perda de órgãos e, por conseguinte, salvar mais vidas.
4. Dando um chocolate na corrupção
Você sabe o que cada Deputado ou Senador faz com o dinheiro público que tem à disposição? Na real, a maioria de nós nem se lembra em quem votou nas últimas eleições. Saber o que eles fazem com o nosso dinheiro fica sendo uma tarefa quase impossível. Ou melhor, ficava. Em 2016, foi lançada a Operação Serenata do Amor que, a partir de um financiamento coletivo, começou a acessar e analisar os dados provenientes das prestações de conta dos congressistas para levantar inconsistências e mau uso descarado dos recursos de que dispõem. As informações levantadas geram uma pressão pública que tem sido extremamente eficaz para obrigar deputados e senadores a serem mais transparentes e eficientes no uso das verbas públicas.
5. Celulares salvando nossos pulmões – e nossas vidas
Imagine a dificuldade de monitorar a qualidade do ar de uma cidade gigante como São Paulo. Isto é fundamental, porque estudos mostram que a contaminação atmosférica é responsável por cerca de 20 mil mortes todos os anos em 29 regiões metropolitanas do país. A empresa Telefônica Vivo está colaborando com a cidade de São Paulo para usar dados agregados gerados pelas redes móveis, correlacionados com as informações obtidas de sensores de qualidade do ar e de tráfego. O objetivo é prever, com antecipação de 24 a 48 horas, níveis de poluição do ar. Assim, as autoridades podem tomar medidas preventivas, caso as emissões de poluentes atmosféricos comprometam a saúde humana.
6. Lixo inteligente
Imagine um caixa coletora de lixo que comprime na hora os resíduos depositados ao mesmo tempo em que gera dados em tempo real, usados para tornar mais eficiente o processo de gerenciamento e coleta de lixo urbano. Se você for a Melbourne, na Austrália, pode ver estas caixas coletoras e compressoras de lixo, chamadas de “BigBelly”, movidas a energia solar. Elas fazem uma análise dos resíduos depositados e geram relatórios enviados em tempo real para um portal de gerenciamento de dados batizado de CLEAN. As informações agregadas permitem, por exemplo, identificar tendências de produção em excesso de resíduos em determinadas regiões, levando a um melhor planejamento dos serviços de coleta.
Estes são apenas seis exemplos dos muitos que se multiplicam todos os dias do impacto concreto que o uso positivo dos dados podem ter nas nossas vidas.