Há algumas décadas, ter um segundo idioma no currículo era um diferencial importantíssimo; hoje, “falar dados” é o fator essencial para se conectar à realidade presente e futura. A alfabetização em dados, fluência da linguagem de dados e tecnologia, ou mesmo data literacy (pronunciado “líteraci”), é uma das competências do futuro, para pessoas, profissionais e organizações.
Há um novo movimento, global, democrático e multisetorial: em que organizações sociais, empresas de pequeno e médio porte até multinacionais, institutos, fundações e governos sejam fluentes em dados. Mas o que é alfabetização em dados e qual a sua relevância?
O que dados têm a ver com a realidade presente e comum? Tudo.
Dados são o novo petróleo, são a nova moeda, são o novo ar e até o novo bacon – essas são as referências deste texto do Bruno Evangelista, coordenador do Laboratório SGB de Dados. A frase “dados são o novo petróleo” foi dita – e muito repetida desde que cunhada pelo matemático britânico, Clive Humby, em 2006 – com a intenção de denotar esse valor e poder nos dados.
Dados não são só números; são textos, vídeos, imagens, áudios e todo o tipo de informação que pode ser codificada. Dados são, inclusive, pessoas. A junção de milhões, bilhões, trilhões de informações compõem o que chamamos de Big Data – que nada mais é do que um emaranhado de (muitos!) dados em diversos servidores. E para ter significado, é vital que haja pessoas interpretando cada um desses dados.
Algumas evidências que temos, e buscamos na Forbes, para compreender o panorama geral sobre a influência de dados na nossa realidade:
- O volume de dados criado em 2014 e 2015 é maior do que a quantidade produzida em toda a história da humanidade.
- Um novo dado é criado a cada segundo. Apenas no Google, globalmente, há cerca de 40.000 consultas por segundo. Por dia, significam 3,5 bilhões de buscas. Por ano, é 1,2 trilhão. Bastante, não é?
- Mais de um bilhão de pessoas usaram o Facebook em um dia, no mês de agosto de 2015 – e simplesmente utilizar o Facebook gera muitos dados…
Estamos inundados com informações e estímulos sensoriais como nunca antes na história da humanidade. Como, então, ter algum controle ou entendimento do que isso tudo significa? Aí que entra a alfabetização em dados, ou data literacy.
O que é alfabetização em dados para quem não é cientista de dados?
Alfabetização em dados é uma analogia perfeita ao processo de alfabetização de uma pessoa na sua língua materna: exige esforço, repetição, leitura, acompanhamento de profissionais da área, interesse… Mas, uma vez dado esse passo, o processo flui. E quando a pessoa está alfabetizada, ela lê, escreve, trabalha, comunica, pensa, raciocina e argumenta nessa língua. A alfabetização em dados funciona da mesma maneira.
Os dados não têm significado por si só. Assim como uma letra ou um número, você pode pegar os dados descontextualizados e fazer com que eles tenham quase qualquer sentido.
Um exemplo simples, mas rotineiro: uma busca no Google somente com a palavra “Plantar”. Os resultados são desconexos e variados, mencionando: plantação de soja, plantar bananeira, plantar um chip, como plantar uma árvore… Então, é necessário contextualizar e especificar as buscas para que os dados encontrados sejam mais assertivos e precisos.
Os dados – sem a interpretação de pessoas – não têm significado por si só. É a combinação da capacidade de raciocínio humana junto à inteligência artificial que gera alguma conclusão sobre informações. A cientista e analista de dados, Susan Etlinger, fala em sua TED talk: “Nós temos a oportunidade de dar significado aos dados por nós mesmos. Francamente, os dados não criam esses sentidos, nós criamos”. E como podemos criar esses sentidos para os dados?
Os 4 passos para a alfabetização em dados
Alfabetização em dados é a habilidade de ler, trabalhar com, analisar e argumentar com dados, de acordo com o Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT).
Na palestra do TED intitulada “Por que todo mundo deveria ser alfabetizado em dados”, o responsável pelo Projeto Data Literacy da Qlik – líder global em análise de dados –, Jordan Morrow fala sobre cada um dos itens que formam o conceito de alfabetização em dados:
- Ler dados significa ler e compreender a informação que os números transmitem para fazer uma decisão inteligente.
- Trabalhar com dados é estar confortável com as informações quando ela é apresentada, permitindo checar sua veracidade em uma notícia, por exemplo. Não significa se tornar cientista de dados, mas compreendê-los no seu contexto.
- Analisar dados é chegar ao “porquê” por trás deles, questionar sua procedência e quais perguntas foram feitas para chegar nesse resultado. Morrow diz que é passar do estágio de observação e, estando munido de informações relevantes, chegar ao momento de tomar a decisão mais inteligente.
- Argumentar com dados é, primeiramente, fazer perguntas para a própria informação, buscando extrair conclusões mais profundas. E, por fim, é a habilidade de tomar uma decisão, formar uma opinião e sustentar seu ponto de vista com base em dados.
Ser fluente em dados, então, é realizar uma leitura sobre eles e obter uma compreensão. A partir desse entendimento, questionar os próprios dados, fazendo perguntas sobre e para eles. Todo esse processo faz com que se trabalhe em cima dos próprios números e informações, chegando a informações de mais qualidade e melhor compreendidas. Com esses insumos, é possível tomar decisões mais inteligentes e precisas.
A fluência em dados empodera pessoas e organizações a compreender melhor informações e números dentro dos seus contextos e, como consequência, permite que decisões sejam feitas de maneira mais consciente, crítica e orientada por evidências.
A alfabetização em dados é importante para todos: pessoas, organizações e governo
“Nós não somos consumidores passivos de dados e tecnologia. Nós moldamos o papel que têm nas nossas vidas e a maneira com que damos significado a eles. Mas, para fazer isso, nós precisamos prestar tanta atenção a como pensamos como à maneira com que codificamos. Temos que fazer perguntas, perguntas difíceis mesmo, para passar do momento de ‘contar’ coisas ao momento de entendê-las”, segundo a cientista de dados, Susan Etlinger.
Todas as informações públicas, sobre pessoas e organizações, tornam-se dados.
Compreender a vastidão do que se chama de Big Data e aprender a lidar com dados, permite abrir o escopo de possibilidades de como trabalhar com eles e consequentemente ter um controle maior sobre o seu uso como indivíduos, profissionais e dentro de organizações.
A cada indivíduo e setor da sociedade, a alfabetização em dados tem um papel diferente:
A importância da alfabetização de dados para as cidadãos
Nós, como pessoas, geramos dados nas mais simples das perspectivas. O que você é, onde estuda, onde trabalha, com o que trabalha, principais interesses – que faz com que tenha uma busca no Google. Tudo o que consumimos e as transações mais básicas, de uma transferência feita pelo internet banking até uma mensagem direta no Instagram.
Apesar de existirem maneiras de apagar pegadas digitais, as ações dos usuários comuns na internet, como você e eu, deixam um rastro – esse fenômeno é entendido como “migalhas” que deixamos no caminho”. A ação de toda e qualquer pessoa comum, como você e eu, na internet deixa um rastro digital. O número vezes que cada pessoa no mundo interage digitalmente e, por consequência, gera dados, era de 218 em 2015. Em 2020, a previsão é de que sejam 1.426 de interações e, em 2015, de 4.785. Isso significa que as pessoas estarão conectadas a todo minuto, gerando dados e informações, de acordo com a IDC-Seagate, com pesquisa de 2018.
Nós produzimos dados a partir de cada interação. Se nós geramos dados, precisamos compreendê-los, questioná-los e usá-los ao nosso favor como cidadãos, indivíduos e profissionais.
A relevância de dados para empresas e negócios
“Os donos dos dados são os donos do futuro. Quando a desigualdade só faz crescer e aumentam as tensões em todo o mundo, os donos dos dados poderiam reunir forças e fazer alguma coisa juntos”, Yuval Noah Harari, autor do best-seller Sapiens: Uma história da Humanidade.
O ideal seria que a fluência em dados fosse como uma “segunda língua” dos negócios; porém, dados da Gartner – empresa de consultoria referência em pesquisa para empresas – revelam que em 2020, 50% das organizações terão déficit em habilidades sobre alfabetização em dados e inteligência artificial para atingir valor de negócio. E apenas 24% dos tomadores de decisões em 7.300 organizações se consideram alfabetizados em dados, segundo relatório da Qlik.
A leitura da própria Gartner acerca da importância de data literacy atualmente para as empresas:
- para os negócios, significa que os dados e a mentalidade analítica se tornam parte do negócio digital, em que a sua evolução e crescimento depende do desenvolvimento dessas habilidades, uma vez que os dados se tornam um bem organizacional valioso;
- para os profissionais, quer dizer que devem ter ao menos a habilidade em comunicar e compreender conversas sobre dados. Em suma, a habilidade de “falar dados” irá se tornar um aspecto integral da maioria dos trabalhos rotineiros.
“A prevalência de capacidades analíticas e em dados, incluindo inteligência artificial, requer que criadores e consumidores ‘falem dados’ como uma língua comum’, diz Valerie Logan, Diretora Analista Sênior da Gartner. “Líderes em dados e análise precisam colocar às pessoas, sendo elas a força de trabalho, a alfabetização em dados como o possibilitador de negócios digitais e tratar a informação como segunda língua”.
Organizações Sociais, Fundações, Institutos e ONGs
Existem mais de 820 mil no Brasil, de acordo com pesquisa “Perfil das Organizações da Sociedade Civil”, criada em 2018 pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Os campos de atuação são vastos: educação, saúde, defesa de direitos e interesses, assistência social, cultura e recreação, entre outros. Porém, mesmo sendo muitas, essas organizações nem sempre geram muitos dados. Por que se importar com eles, então?
Para organizações que não têm foco em tecnologia, a alfabetização de dados de funcionários e voluntários é uma maneira de estar conectada com o mundo atual, de exponencializar o impacto que causam, alcançar mais pessoas que possam ser seu público-alvo e, inclusive, conseguir arrecadar mais receita em doações.
“Um olhar estratégico para o small data interno quanto para as diversas fontes de dados secundários disponíveis é fundamental para sair do achismo e prestar contas à sociedade em relação ao impacto positivo gerado”, afirma Bruno Evangelista, coordenador do Laboratório SGB de dados, em texto sobre ciência de dados e impacto socioambiental.
Já para as organizações ou negócios sociais baseados em tecnologia, é essencial saber analisar e aproveitar as informações armazenadas de forma a gerar mais impacto e, em alguns casos, mais receita. Desenvolver as pessoas que atuam com tecnologia no ecossistema de impacto socioambiental significa dar escala e exponencializar suas ações.
A importância de dados para Governos e organizações que o auxiliam
Os governos alcançam a sociedade como um todo, com uma escala que nenhuma outra organização detém. Por isso, avanços e mudanças só irão acontecer quando a gestão pública chegar da melhor forma possível nos quatro cantos do país, promovendo educação, saúde, meio ambiente ou segurança.
A incorporação da inteligência de dados e mentalidade analítica no poder público significa gerar inovação. Essa inovação ocorre ao criar políticas públicas baseadas em evidências e tomar decisões orientadas por dados. Usar o melhor da inteligência de dados é tornar a ação do governo ainda mais efetiva na solução de problemas reais a partir de obter informações assertivas e de qualidade.
Um exemplo dessa atuação é a Portabilis, empresa que atua junto ao poder público há quase uma década, tem como missão auxiliar os governos municipais de todo o país a potencializar o impacto de políticas públicas, levando soluções e uma vida melhor à população das cidades. “Você precisa garantir que os dados que você e sua equipe estão coletando e idealizando, inclusive metas e métricas, façam sentido de fato para o negócio e tenham alguma utilidade”, relata Tiago Giusti, CEO da Portabilis, após participar de um laboratório de dados.
Alfabetização em dados: uma bandeira do Social Good Brasil
“Dados podem ser uma tremenda força para o bem”, disse Andrew Means, líder da Comunidade Data for Good nos Estados Unidos, que esteve presente no Festival SGB de 2018 falando sobre as muitas possibilidades – e oportunidades – do uso de dados para ampliar ações que visam ao bem comum.
O Social Good Brasil (SGB) acredita, como organização, que a tecnologia impulsiona o impacto e, unida às competências humanas necessárias, pode contribuir para exponencializar o bem comum. Apenas com a união entre competências analíticas e humanas que a tecnologia poderá gerar transparência, autonomia, empatia e escala, usando todo seu potencial de transformação. Então, o SGB passou a levantar a bandeira da alfabetização de dados, e se tornou uma organização orientada a dados, obtendo um resultado incrível.
Nesse contexto, o Movimento Data For Good – Dados para o Bem – foi trazido para o Brasil em 2018, pelo Social Good Brasil, organização precursora de tendências para impacto e inovação social, junto com a Fundação Telefônica Vivo. O objetivo do Movimento é justamente criar uma comunidade reunindo representantes dos diversos setores da sociedade interessados em orientar suas ações de impacto social por evidências trazidas pelo recolhimento e análise de dados.
“O que queremos com o Movimento Data For Good é trazer significado concreto e positivo para os dados. Acreditamos que mais do que ter a capacidade de coletar dados, é importante entender para quê eles serão usados, de forma a que ajudem a empresa ou organização a ampliar o impacto que podem ter para a sociedade”, diz Carol de Andrade, cofundadora do Social Good Brasil. “Essa compreensão faz toda a diferença e pode ter um impacto significativo e muito positivo para a sociedade”.
Por fim, a fluência de dados
Para cada indivíduo, profissional e organização, a fluência de dados terá uma possibilidade diferente. De qualquer maneira, não há mais como evitar: o uso de incorporação de dados como uma segunda língua é uma necessidade do presente, não mais apenas do futuro. Quer estar dentro desse presente? Conecte-se a conceitos, casos e tendências no uso de dados e “alfabetize-se” nessa outra linguagem no Radar Data for Good.